Convocado a depor pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o diretor do Instituto Butanta, Dimas Covas, afirmou na sessão de ontem que o Brasil poderia ter sido o primeiro país no mundo a dar início à vacinação contra o novo coronavírus, caso o governo tivesse respondido às primeiras tratativas para aquisição da CoronaVac.
De acordo com o pesquisador, a primeira oferta que previa e entrega de 60 milhões de doses até dezembro, foi feita pelo Butantan ao Ministério da Saúde ainda no dia 30 de julho, mas o órgão não respondeu. Na época, o general Eduardo Pazuello comandava a pasta.
O segundo contato foi feito em agosto, conforme comprovado por documento apresentado por Covas à CPI, que detalha a proposta de garantir 60 milhões de doses até o primeiro trimestre de 2021. O número já era menor pois com o passar do tempo, o cronograma de entrega, com base também no recebimento de insumos farmacêuticos, foi mudando.
O governo propôs uma cláusula de exclusividade que impedia que a CoronaVac fosse comercializada com outros países. Contudo, a SinoVac já tinha outros acordos com países da América Latina, impasse que atrasou ainda mais a vacinação.
A carta, assinada pelo próprio diretor, cita que é um aditamento do ofício enviado no dia 30 de julho, e é endereçada ao então ministro Pazuello.
O senador governista, Marcos Rogério (DEM-RO), indagou ao diretor do Instituto Butantan, de São Paulo, se naquela ocasião o Governo Federal já podia negociar a aquisição, sem a devida aprovação para o uso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dimas rebateu e lembrou que a AstraZeneca foi comprada quando estava no "mesmo patamar" de confiança da CoronaVac.
Marcos Rogério exibiu um áudio vazado de uma reunião entre Dimas Covas e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), no qual o tucano bate na mesa e se mostra exaltado. Ele pede que Covas tente intervir junto a "seu amigo chinês", que segundo o diretor era o vice-presidente da SinoVac.
Segundo Covas, a reunião privada não tratava apenas da vacina, e o trecho exibido por Marcos mostra a tentativa de Doria de antecipar o recebimento de doses. No áudio, Doria ressalta a importância política em agilizar a produção da CoronaVac.
Humberto Costa, senador pelo PT, deixou de lado as diferenças políticas com o governador do PSDB e o defendeu após a exposição do áudio. Ele reiterou que na luta pela vida, não há "esquerda, direita ou centro".
Como contraponto, Costa recuperou o vídeo de Bolsonaro que responde grosseiramente a um jornalista que o pergunta sobre a compra de vacinas. Irritado, Bolsonaro diz que não há imunizante disponível no mundo. "Só se for na casa da tua mãe", diz Bolsonaro no vídeo.
O contrato efetivo com o Ministério da Saúde só veio a ser assinado em janeiro, de acordo com o cientista, quando o governo Bolsonaro encontrava dificuldades de negociar com outras farmacêuticas.
Em determinado momento da sessão, o presidente Omar Aziz (PSD-AM) pediu que os colegas da situação evitassem as agressões à China, principal fornecedor de insumos ao Brasil.
O vice-líder da Comissão, Randolfe Rodrigues, reafirmou que o país poderia ter 50 milhões de pessoas imunizadas, com a segunda dose, se o governo tivesse dado atenção ao contato do Butantan.
Os senadores da oposição costuraram a narrativa que foi endossada por Dimas Covas, de que o Governo Federal ignorou qualquer possibilidade de adiantar a compra de vacinas, pois apostou na política de imunidade de rebanho, aguardando que os brasileiros ficassem imunes após a contaminação, com base na baixa letalidade do vírus.
"Não há nenhuma comprovação de que haverá imunidade coletiva em relação a essa variante", alerta Covas, que confirmou ainda que o instituto de desenvolvimento de vacinas não recebeu nenhum centavo do Governo Federal, nem apoio logístico do Ministério das Relações Exteriores, liderado antes por Ernesto Araújo.
Os constantes comentários depreciativos do próprio presidente Jair Bolsonaro e de aliados à China, na opinião de Dimas Covas, atrapalhou o Brasil na corrida mundial pelos insumos produzidos pela nação asiática.
"Comparo com os vizinhos. Você tem 99 vizinhos legais, gente boa, mas tem um chato que sempre traz problema. Quando você faz uma festa de ano novo, quem você convida? Os 99 legais, ou aquele um que é chato?", comparou Covas.
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